“A Ficha Limpa provocou um debate sobre vida pregressa dos candidatos”, diz diretor do MCCE ao O Globo
Especialistas divergem sobre impacto do caso Demóstenes na Lei da Ficha Limpa
Ex-senador cassado conseguiu autorização do STF para disputar as eleições
(O Globo – 18/04/2018 – Por Eduardo Bresiani / Renata Mariz)
Especialistas da área jurídica divergem sobre o impacto na aplicação da Lei da Ficha Limpa da decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que ratificou a autorização para que o ex-senador cassado Demóstenes Torres (PTB), que estava inelegível até 2027, possa disputar as eleições deste ano. Pelas peculiaridades do caso, não há unanimidade sobre a abertura de brechas para novas decisões na mesma direção.
— A lei da Ficha Limpa prevê pedido aos tribunais superiores de suspensão da inelegibilidade com liminar para que o político possa ser candidato. Essa situação do Demóstenes é um caso específico, e, como a lei prevê, a análise é caso a caso. É raro haver concessão de liminar para autorizar a concorrer. Claro que não é bom, porque é um caso emblemático, mas não chega a ser alarmante — avalia o advogado Luciano Santos, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), entidade que idealizou a lei.
— Nesse caso específico não me parece que há um enfraquecimento da aplicação da lei da Ficha Limpa, porque, na verdade, o elemento determinante nesse caso não foi uma interpretação frouxa da lei, mas sim uma consequência da anulação do processo criminal — observou o professor de direito eleitoral da Universidade de Brasília, Bruno Rangel Avelino.
Um dos responsáveis pela mobilização pela aprovação da lei em 2010, o ex-juiz Marlon Reis acredita que a decisão do Supremo tem um efeito negativo. De acordo com ele, a Lei da Ficha Limpa corre risco de “enfraquecimento”, embora Demóstenes não tenha sido enquadrado diretamente nela, mas em lei anterior que já previa inelegibilidade para quem tiver mandato cassado. Para evitar uma insegurança jurídica e uniformizar o entendimento em termos gerais e abstratos, Marlon Reis considera importante que a discussão seja levada ao plenário do Supremo. O próprio placar apertado da votação no caso de Demóstenes, 3 a 2, mostra que o tema não é pacífico. Marlon Reis está hoje filiado à Rede e vai disputar o governo de Tocantins.
— Toda decisão que relativiza a aplicação das hipóteses de inelegibilidade tem um caráter negativo. Houve um equívoco do Supremo, porque a inelegibilidade decorrente de uma cassação é consequência de uma decisão política, que não se modifica por uma questão técnica na esfera criminal — diz Marlon.
A Lei da Ficha Limpa ampliou as hipóteses de inelegibilidade que existiam até então, sendo a principal inovação deixar de fora do pleito políticos que forem condenados por decisão colegiada. Ironicamente, Demóstenes foi um dos relatores da lei em 2010 e afirmou que ela era importante para tratar com rigor “políticos indecentes, malandros e corruptos”.
Ele acabou sendo cassado pelo Senado dois anos por quebra de decoro parlamentar pela suspeita de ter utilizado o mandato para auxiliar nos negócios do contraventor, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Gravações que sustentaram a prisão de Cachoeira e processos judiciais contra Demóstenes foram consideradas provas nulas pelo Supremo. Com base nisso, a defesa argumentou que a cassação no Senado deveria ser anulada também e que a inelegibilidade deveria ser afastada. O ministro Dias Toffoli concedeu em março uma liminar nessa direção para permitir a candidatura de Demóstenes. E a Segunda Turma do STF referendou o posicionamento na terça-feira.
Analistas observam que a razão técnica pode fazer sentido no mundo jurídico, mas não se apaga na cabeça do eleitor tão facilmente a história de um senador defensor da ética e da moral que agia na surdina a serviço do bicheiro Carlos Cachoeira.
— A Lei da Ficha Limpa não tem como alcançar 100% das ilicitudes, mas ela provocou um debate sobre vida pregressa do candidato. E com certeza será analisado pelo eleitor e dificilmente um candidato com esse histórico terá sucesso. O eleitor há de analisar a situação e os adversários utilizarão essa mancha durante a campanha — afirma Luciano Santos, do MCCE.
— O eleitor se coloca na posição de juiz nesses casos. Então, o eleitor tem poder para condenar ou absolver o candidato que estiver apto nas urnas. Ainda que Supremo tenha anulado provas e afastado a inelegibilidade, cabe ao eleitor analisar os fatos e fazer seu julgamento individual no dia de votar — observa Bruno Rangel Avelino, da UnB.
O professor Alexandre Araújo Costa, pesquisador na área de política e direito da Universidade de Brasília (UnB), ressalta, porém, que a disputa pelo voto, historicamente no Brasil, tem muito mais variáveis do que ser ou não acusado de corrupção. As pessoas tendem a escolher pelas promessas feitas pelo candidato, por afinidade com alguma questão considerada prioritária pelo eleitor ou simplesmente pela identificação ideológica. Portanto, o fracasso ou sucesso nas urnas de políticos implicados em denúncias vai ser definido caso a caso, diz o professor. Com a polarização atual, Alexandre afirma ter “sérias dúvidas” sobre o reflexo dos escândalos em mudanças nas escolhas na hora de votar, apesar de toda a agenda pública estar voltada para o combate à corrupção:
— A leitura dos fatos, hoje em dia, depende muito da ideologia. Se alguém de quem se gosta comete um ato de corrupção, é mais fácil achar explicações e minimizar a questão. Se é um político fora das minhas preferências, a acusação ganha outra dimensão — explica Alexandre.
Foto: Ailton de Freitas/O Globo
Fonte: O Globo